segunda-feira, 6 de outubro de 2008

A Rouanet é igual para todos?

O Globo

EDIÇÃO DO DIA 04.10.2008

Parecer recorde

Projeto de grupo teatral ligado ao presidente da Funarte recebe tratamento
diferenciado na aprovação da Lei Rouanet
André Miranda
Em 30 de novembro de 2007, um projeto de um grupo de teatro foi enviado para
parecer técnico da Funarte, a fim de conseguir sua aprovação na Lei Rouanet.
Três dias depois, o gabinete da mesma Funarte pediu urgência para a análise do
projeto, e, no dia 6 de dezembro, uma resposta favorável foi concedida. O tempo
é considerado recorde, numa instituição em que pareceres técnicos, sobretudo no
conturbado ano de 2007, demoram dois, cinco ou até 13 meses para sair. O
projeto, inscrito na Funarte com o número 07-10101, era o do plano anual de
atividades do Ágora, grupo de teatro fundado pelo próprio presidente da Funarte,
Celso Frateschi, e atualmente coordenado por sua mulher, a cenógrafa Sylvia
Moreira, e pelo diretor Roberto Lage.

O projeto do Ágora foi inscrito na representação regional do Ministério da
Cultura (MinC) em São Paulo em 26 de outubro de 2007, com um pedido de
patrocínio de cerca de R$ 1,3 milhão. Dali, depois de todos os procedimentos
burocráticos para sua aprovação na Lei, o projeto foi autorizado a captar
recursos em 26 de dezembro do mesmo ano, numa tramitação que levou apenas dois
meses. O período é apontado pela classe teatral como o mais difícil para a
aprovação de projetos, devido à greve de 73 dias dos servidores do MinC e do
acúmulo de trabalho para os pareceristas — em dezembro de 2007, o corpo de
pareceristas da Funarte contava com apenas sete técnicos externos e quatro
servidores.

— Artistas do peso da Fernanda Montenegro e do Sergio Britto estão há quase um
ano esperando a aprovação de um projeto. Mas o Celso Frateschi conseguiu aprovar
a captação em dois meses. Ele deve ser uma pessoa muito bem relacionada. A
classe teatral só fala nisso — afirma o diretor Flávio Marinho.

Enquanto tentava aprovar a proposta da montagem "Além do arcoíris", Marinho
conta que acabou perdendo o patrocinador, que destinou sua verba a outro
projeto. O monólogo escrito por ele para a atriz Luciana Braga recebeu a
autorização para captar recursos no dia 22 de setembro deste ano, 13 meses
depois da entrada do projeto no setor de análise técnica da Funarte. Também em
2007, o grupo Armazém inscreveu o projeto de manutenção de sua companhia na Lei
Rouanet. A proposta chegou ao setor de análise técnica da Funarte em 23 de
novembro de 2007, mas o parecer só foi emitido no dia 10 de abril de 2008,
quando a produtora foi finalmente informada sobre a pendência de uma certidão,
sem a qual o projeto não seria aprovado.

— Esse limbo em que ficamos é extremamente desgastante. Passa-se muito tempo até
chegar o retorno sobre o projeto. Depois disso, já mandei a documentação várias
vezes. O tempo passou, e o grupo deixou de receber um patrocínio da Petrobras,
que já estava garantido. Tentaremos fazer as correções pedidas novamente e
reaproveitar o projeto para 2009, mas é sempre uma interrogação — queixase
Simone Mazzer, atriz e produtora do Armazém. Já em 14 de janeiro de 2008, um
projeto proposto pelo grupo paulista Teatro da Vertigem, para a montagem de seu
espetáculo "BR-3", chegou à Funarte para análise técnica. O parecer só ficou
pronto e foi encaminhado para o Minc em 19 de junho.

— Até hoje, o projeto não foi aprovado. Tenho outras propostas com outros grupos
de teatro na mesma situação. A demora e a burocracia são enormes. A Funarte diz
que a greve do ano passado causou o acúmulo, mas o trabalho do órgão sempre foi
muito lento. Neste ano, porém, houve duas melhoras: passamos a receber o número
do processo do projeto em 48 horas; e também foi criada uma portaria que agiliza
a prorrogação de projetos aprovado sem outros anos — conta Henrique Mariano,
produtor do Vertigem.

No caso do Ágora, o projeto aprova dono fim de 2007 foi captado meses depois. O
patrocínio veio de forma direta, sem a necessidade de edital, pela Petrobras,
num contrato assinado em 4 de março de 2008. De acordo com a empresa de controle
estatal, foram destinados R$ 300 mil para uma temporada, a preços populares, de
cinco espetáculos do projeto Machadianas II, que transpôs para o palco contos de
Machado de Assis.

— As regras deveriam ser iguais para todo mundo. Não pode ter uma regra
exclusiva para um representante do MinC. É triste saber que, enquanto nós
estamos penando com projetos, um colega que está temporariamente num cargo
público tem um privilégio desses. É porque ele é presidente da Funarte? Se o
projeto do Ágora foi aprovado em dois meses, eu quero que todos os produtores
tenham seus projetos aprovados em dois meses. E ainda recebeu patrocínio da
Petrobras sem edital. Os critérios têm que ser transparentes — diz o produtor
teatral Eduardo Barata. A Petrobras informa, porém, que outros grupos
importantes do país, como o Galpão, o Corpo e a Intrépida Trupe, também recebem
verbas diretas da empresa, sem a necessidade de edital. No caso do Ágora, isso
ocorreu em outras duas ocasiões: R$ 393 mil em 2006 e R$ 606 mil em 2007.

Não houve conflito de interesses

Frateschi diz que outros projetos também foram adiantados
Celso Frateschi garante que o grupo de teatro Ágora não se beneficiou com o fato
de ele ser presidente da Funarte. Ator e diretor teatral, Frateschi assumiu o
cargo no início de 2007, em substituição a Antônio Grassi. Antes, suas
principais experiências em cargos públicos haviam sido como secretário de
Cultura das prefeituras de Marta Suplicy, em São Paulo, e de Celso Daniel, em
Santo André. Em setembro, ele aproveitou suas férias na Funarte para dirigir
pelo grupo Ágora a peça " Tio Vânia" , de Anton Tchekhov.

— Eu nunca ganhei nada com o Ágora. Ele é uma entidade de pesquisa, sem fins
lucrativos. Nem sequer salário tem lá — diz. — O projeto do Ágora não passou a
frente de ninguém. Não houve conflito de interesses. O que ocorreu foi um atraso
enorme nas aprovações e, por isso, vários projetos foram adiantados. Em dezembro
de 2007, mais de 500 projetos foram aprovados para se tentar diminuir o estrago
dos atrasos.

Como exemplo, Frateschi cita o projeto da peça "Hamlet", em cartaz em São Paulo,
que foi inscrita no Ministério da Cultura em 5 de novembro de 2007 e aprovada em
26 de dezembro. O presidente da Funarte afirma que, naquele período, recebeu
dúzias de pedidos para agilizar processos por conta de garantia de patrocínios.
— O Ágora tinha uma garantia da Petrobras, já que fomos patrocinados em outros
anos. Por isso ele foi incluído entre os projetos aprovados com rapidez. A
relação entre a Petrobras e o Ágora precede minha atuação na Funarte — diz. A
Petrobras, porém, informa que só avisou ao Ágora que havia interesse de
patrocínio em 11 de dezembro de 2007 — ou seja, depois do parecer da Funarte.
Também não houve carta de intenção de patrocínio, procedimento que costuma
agilizar a aprovação de projetos.

Um comentário:

Colin disse...

Uma salva de palmas para os espertos!!! E que se fodam os pés-rapados...

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