quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Dois Monólogos, Duas Mulheres




Bueno! Não tenho visto praticamente nada do Em Cena este ano. Já sei que o Voca People era maravilhoso e eu não vi, mas foda-se, não quero pensar sobre isso.
Tenho trabalhado na equipe de montagem de luz na descetralização, e acabei assistindo apenas dois espetáculos até agora.

Dois monólogos, duas mulheres. Um pretendendo ser ousado sem conseguir ser, investindo na história de uma "mulher linda"; outro que não chega cheio de pretensões e simplesmente é excelente, investindo na história de uma "mulher feia".

Estou falando, respectivamente, de Pássaro da Noite e A Mulher Que Escreveu a Bíblia.

O primeiro assisti quatro vezes. Sim, trabalhei todos esses dias nele, não assisti quatro vezes porque o espetáculo é fantástico, até porque não é. Com certeza não é.
O monólogo Pássaro da Noite, com Luana Piovani, tem na direção de Marcos Alvisi um "pecado" pra mim bem complicado: é careta demais! Demais! Demais! Esse caretismo é reforçado pela trilha sonora pesquisada por ele próprio, que dá um tom melodramático exagerado (sim, isso é possível!)ao espetáculo, tentando torná-lo denso sem conseguir de maneira alguma, oscilando com momentos de tentativas de provocações, sem dizer a que veio. As marcações são simplórias e a direção da atriz parece se resumir apenas nesses tipos de intenções: estou muito triste e bêbada, sou debochada e gostosa, falo palavrões e conto piadas. Ponto.
Apesar disso, Luana Piovani ainda consegue retirar alguns momentos interessantes do texto - que é todo rimadinho e cheio de gracinhas, e que às vezes até consegue arrancar uma poesia - mostra uma certa presença em cena (com exceção da primeira apresentação da descentralização, onde parecia preguiçosa), com boa dicção e colocação de voz. Ela está à vontade com a platéia e até se esforça no palco, não se pode negar isso, mas parece, além de ser mal conduzida pelo diretor, não descer do pedestal de "diva", que ela efetivamente não é, parecendo investir apenas nisso para sua performance cênica, quando poderia debochar mais do que está dizendo, rindo por vezes de si mesma, o que faz corretamente em alguns instantes, mas de maneira superficial. Talvez não pudesse ter feito muito melhor com a dramaturgia que tinha a disposição... (isso não é desculpa de nada, porque foi ela que escolheu montar essa peça, sabe-se lá por quê.)
Pra falar de luz, que era o motivo de minha presença lá, posso dizer pouco, pois toda luz da descentralização é adaptada, com menos equipamentos. Mas mesmo com o pouco material, Carlos Lafert produz uma iluminação muito bonita. Utilizando-se principalmente de luz lateral, luz de chão, e focos de frente e contra cruzados, realiza efeitos interessantes, mostrando muito domínio técnico, embora eu ainda ache que a luz tem muito movimento, mas aí mais uma vez eu acuso o diretor, ou por omissão ou por intromissão no trabalho do iluminador.

O outro espetáculo, por sua vez, é irretocável. É o que comumente denominamos "um espetáculo de ator (atriz) e texto" Ambos sensacionais.
A adaptação do livro A Mulher Que Escreveu a Bíblia, do gaúcho Moacyr Scliar, sobre uma mulher horrorosa preterida pelo Rei Salomão, mas que por sua inteligência acaba ganhando a tarefa nada simples de "escrever a bíblia", é ao mesmo tempo divertida, inteligente, instigante e comunicativa. A história chega traquilamente aos ouvidos e olhos de qualquer platéia mesmo a provocando muito, por mexer num assunto que simplesmente definiu a formação do comportamento ocidental - a Bíblia. Isso ocorre, acredito, porque a peça jamais recorre a estratégias fáceis de agradar o público, que geralmente resultam num mau gosto enfadonho, optando, assim, por um humor que consegue ser ácido e agradável ao mesmo tempo.
A atuação de Inez Viana é deliciosa. Ela atua sem representar excessivamente. Extremamente sincera no palco, fala conosco com uma tranquilidade absurda, dando intenções das mais diversas sem parecer fazer o mínimo esforço, de tão boa que ela é. A precisão com que realiza as mínimas ações ou movimentos mais estilizados e complexos é de encher os olhos. Sua voz é suave e não suja nem quando ela grita. E o melhor de tudo: ela se diverte em cena de um jeito não egocentrico, desvencilhando-se de qualquer chance de cair no "divinismo". Ela se diverte e nos diverte também, e consegue, num instante, nos puxar o tapete e fazer a gente parar de rir e quase ficar triste com as reflexões que em nós foi provocada.
A direção de Guilherme Piva, ao contrário do primeiro trabalho, é simples, mas não simplória. Embora não tenha imagens cênicas surpreendentes e instigantes, é delicadíssima e eficaz dentro do que o espetáculo se propõe, realizando assim um trabalho refinado, que é o diferencial de uma encenação simples e dedicada para uma encenação simplória e desligada.
A trilha sonora e a sonoplastia ajudam a contar o que a narrativa e a atriz nos contam, sem sublinhar nada, e sim complementando de maneira bem interessante o espetáculo. A luz está de acordo, dentro dos limites que a já referida adaptação de iluminação da descentralização nos traz, com movimentos bem definidos, criando alumas imagens interessantes, mas sem alardes. Ou seja, sutil, como toda a peça. A pouca variação de cor (mais terrosa e esbranquecida) vai de acordo com o figurino (muito bonito, por sinal!) e o cenário (não tão bonito, mas funcional.)

Vale dizer que essa peça me disse MUITO mais a que veio numa única vez do que a outra em quatro tentativas...

Enfim.

Esses são apenas alguns apontamentos ou impressões que não tem valor algum de verdade para outros que não eu. Quem assistiu aos espetáculos fique a vontade para concordar ou discordar desse que vos fala.

por Felipe Vieira de Galisteo (aquele que não acha a Luana Piovani linda)

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