segunda-feira, 27 de maio de 2013

Comentários sobre "CNPJ: uma comédia totalmente ficcional"

Recebemos um email do Bruno Tomé Fonseca, escritor maranhense, que foi assistir ao nosso espetáculo no segundo dia de apresentação, dia 24/5. As palavras do Bruno nos deixaram bastante felizes e orgulhosos do nosso trabalho ser compreendido não somente pelos "daqui", como também por pessoas do outro lado desse país enorme. Valeu, Bruno!
Abaixo, os comentários dele:



"Cara trupe do Sarcáustico, 
Fiquei encantado com a amostragem cultural que me foi proporcionada nesta minha breve visita a Porto Alegre. Vi coisas realmente intensas, numa demonstração de entrega e prazer ao exercício da arte. Posso destacar uma banda de blues e rock, chamada Confeitaria Brasil, na casa Silêncio, na cidade Baixa, a Banda Anti Guerra, na esquina da Borges de Medeiros com a Andradas e, vocês, sem recorrer a ordens de preferências. Todos foram queridos, cada uma no seu campo de conquista afetiva à minha pessoa. Posso dizer que esses dois dias em Poa me fizeram imergir profundamente nas suas artérias e isso é um pouco da razão de estarmos em um lugar diferente. E vocês também me fizeram ver o diferente. Queria dividir com vocês essa impressão. 

Estive na Usina do Gasômetro, onde foi apresentada a peça, no dia 24/05/2013. Estava sozinho e estar sozinho me ajudou muito a ver a peça de modo amplo, sem me deixar influenciar. Vi o palco bem equilibrado pelos atores, cada um no seu corner, caminhando para o centro do ringue para atacar e se defender. Cada canto do palco estava bem defendido, bem guarnecido, não vislumbrei ociosidade nos personagens. Cada um defendia o seu flanco, à sua maneira. O estilo de Daniel Colin, tenso e intenso, é um misto (bem misturado e equilibrado) do lado cafajeste, persuasivo e repulsivo de Phillip Seymour Hoffman com Paul Giamatti. Ricardo Zigomático (que sobrenome curioso!) é um poço de tensão e repressão. Parece uma bomba relógio armada e desarmada a toda hora. A Guadalupe Casal lembra muito a Anne Hatthaway, tamanha é a expressividade dos seus olhos. Estes são uma arma incrível não só para estes como para outros personagens. Mas confesso: quem me arrebatou foi a Juliana Kersting. Que mulher incrível, visceral, linda, alta. Alta mesmo, nunca vi tão alta. Porém, hábil, eclética, não se deixa limitar pelos limites da altura: canta, dança (e muito), sofre, cai, tira os saltos, sobe nos saltos, chora e ri em questão de segundos. Uma mulher que eu acho que Almodóvar gostaria de trabalhar. 

Falando coletivamente, percebi logo nesta primeira peça que vi do Sarcáustico que este grupo tem uma cara pela força dos seus membros, pela uniformidade, pela força orgânica. Um entrosamento genuíno. 

Gostei muito do tom coreográfico que permeou a peça, principalmente no início. Sobe na mesa, desce da mesa, joga a garrafa para um para outro, etc. Bem musical, bem marcante, representa bem os cacoetes e vícios contidos na relações de trabalho (incluindo os cigarros e bebidas). É preciso ter competência, coragem, muita auto-confiança para gerar uma coreografia complexa como essa logo no ponto de partida. Isso vocês tiveram de sobra para fazer muito bem feito esse número inicial! E o contexto da dança teve muita coerência com o que veio a seguir. 

Depois, passei a ver um teatro muito físico: tapas, quedas, choques, tiros, sangue. Uma forma visceral de fazer teatro. Não foi uma peça fácil, apesar de ser uma comédia. Vi poucos clichês. Estes poderiam ser até esperados, pois havia embutida uma paródia do mundo corporativo. Mas a trupe não caiu no pecadilho do óbvio, que bom. Afinal, existem centenas de filmes, peças e comerciais que fazer troça do mundo empresarial. 

Observei uma comédia para se dar risos nervosos, para não cair no chavão do “humor negro”. Cada riso é sempre acompanhado de um susto, de um sobressalto. Foi essa a sensação exata que eu tive. 

Poderia apontar duas coisinhas que me incomodaram um pouco. Estou longe de ser puritano, mas achei que havia um certo excesso de palavrões no script. Nesse sentido, houve uma certa obviedade na regurgitação de tantos palavrões. Lógico que os diálogos no mundo corporativo têm palavras de baixo calão (um dia eu também fiz parte dele). Mas ali os palavrões estão contidos nas entrelinhas, na moita, para que não afetem tanto a vaidade dos executivos. Em suma: acho que vocês poderiam ter valorizado mais os palavrões. 

Outra coisinha: a personagem da linda Guadalupe Casal em alguns momentos fica à deriva. Eu disse que ela é uma Anne Hatthaway, tamanha é a expressividade dos seus belíssimos olhos. Mas pecou em alguns momentos pela indefinação dos rumos a serem dados. No início da peça, na parte coreográfica, pensei, “temos uma mulher fatal, sexy, repressora, castradora, com cigarro na ponta dos lábios”. Mas ao longo da peça apareceu uma figura angelical, grávida, com vozinha delicada, falando com doçura das vantagens do produto em mandarim. Entendo que existe a ambiguidade dos personagens. Mas a ambiguidade precisa ser lida e compreendida. Com relação à sua personagem não consegui compreender bem a divisão da sua personalidade. Mas pode ser que tenha sido apenas eu que não tenha entendido. 

Mas o brilho da peça é inquestionável. Aproveitei cada minuto, com súbilo. Obrigado por fazerem teatro, com tanta força e intensidade. Espero vê-los novamente. Em tempo, gostaria de presentear o grupo e a produção com exemplares de um livro de contos que escrevi em 2009, na minha cidade, intitulado “Contos Cruéis”. Quero de mostrar a produção literária do outro lado do mapa e receber as críticas de vcs... 

Um grande abraço, 
Bruno Tomé Fonseca, escritor, São Luís/MA"


PS: Na foto, a atriz almodovariana Juliana Kersting, clicada por Lu Trevisan.

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