Renato Mendonça, jornalista com longa experiência na cobertura de eventos culturais, acabou de postar em seu novo blog suas impressões acerca do nosso espetáculo "Wonderland e o que M. Jackson encontrou por lá". Confiram abaixo o que ele comentou e aproveitem para acessar o "Relato Mendonça": lá vocês encontrarão textos dramatúrgicos que o Renato escreveu, considerações de política cultural, comentários de peças e outras coisas bem legais.
A expressão é antiga, de 1979, da lavra de Gilberto Gil: “Todo o mundo merece um salário-mínimo de cintilância”. Vou adaptar para bolsa-família de cintilância, para ficar mais atualizado. Mas a moral não muda: o compositor baiano, com aquele jeito que Deus deu, disse que vida não tem sentido sem momentos de revelação emocional e/ou estética. Vou falar de um, que tive ao assistir a “Wonderland – E o que M. Jackson Encontrou por Lá”.
Para quem não viu (mas deve ver), a montagem do Teatro Sarcáustico reconta a história de Michael Jackson com devaneios pelas fábulas de Peter Pan e de Alice. Na primeira aproximação, seria uma encenação pós-dramática: o espaço cênico é uma grande tenda retangular montada no mezanino da Usina do Gasômetro, o texto é fragmentado, repleto de citações e referências, a música é tocada ao vivo, os personagens são lineares, quase tipos. Com exceção da tenda, a descrição se presta ao mundo de qualquer criança… e de Michael Jackson. E de todos nós, como vamos descobrindo ao longo das mais de duas horas e meia de peça. Sim, despencamos no buraco como Alice, e a jornada será um jogo de espelhos entre nós e o ídolo, entre a fama planetária e a miséria emocional.
O que faz “Wonderland” tão diferente é que a encenação proposta pelo diretor geral Daniel Colin é perfeccionista, barroca, ambígua, exigente, talentosa e fascinante como seu inspirador. Isso fica claro em uma das primeiras cenas, quando praticamente todo o elenco antecipa com dança e música a celebração que recém começava. As coreografias de Diego Mac e o rigor dos atores me fizeram sentir como numa Broadway à beira do Guaíba. Exagero? Pior (melhor) que não.
No programa do espetáculo, os dramaturgos Colin e Felipe Vieira Galisteo lembram que o “Wonderland” está sendo gestado há cinco anos, talvez isso explique o cuidado que cerca todos os detalhes (bem como Michael gostava). O cantor é vivido por quatro atores, em diferentes fases de sua vida (Rodrigo Shalako, Rossendo Rodrigues, Ricardo Zigomático e Tatiana Mielczarski – todos muito bons, com destaque para Rossendo), o que expõe radicalmente as mudanças de aparência do astro. A ocupação da grande tenda é feita com habilidade, com cortinas que servem para compartimentar o ambiente, às vezes com transparência. A música ao vivo, destaque para Marcão Acosta na guitarra, mistura high tech com low profile. Os figurinos de Daniel Lion são um exagero – na justa medida de Wonderland.
O que mais me impactou foi, dentre tantos estímulos, o comprometimento do elenco e o fato de que, em uma encenação tão explosiva e potencialmente dispersiva, os movimentos dos atores fossem sempre indispensáveis, como uma homenagem particular a Michael, um mestre na arte de buscar o gesto certo. Mérito de Maico Silveira (direção de atores) e Tainah Dadda (assistente de direção).
“Wonderland”, como o famoso inquilino do rancho “Neverland” é artisticamente pretensioso. E se permite até fazer humor com referências bem localizadas, como em uma cena em que coloca em disputa a Academia, o Crítico e a Vanguarda. Ou quando faz a entrada triunfal das correntes de teatro gaúcho – é de rolar de rir. Há imagens inesquecíveis, como as de Michael, Prince e Madonna, cada um a bordo de um carrinho de súper, colidindo como se estivessem em um autochoque, disputando um lugar no pódio da fama. Ora localista, ora universal, oscilando entre a Terra do Nunca e o País das Maravilhas, “Wonderland” encontra seu caminho pela busca constante do fascínio do espectador. E pela irreverência explícita – a ascensão e queda do Rei Pop carnavalizada sem piedade, mas com veneração.
Há cenas, entretanto, em que Michael Jackson perde o passo, especialmente na segunda parte de “Wonderland”. Uma cena com Sandy e Junior, outra cena em que se enfatiza um erotismo explícito e até o julgamento de Jackson no tribunal parecem um moonwalk longe demais, parecem expor a incapacidade de sacrificar cenas que brilham per si em favor do ritmo geral do espetáculo.
A aceleração insana da encenação também acaba por contaminar o encaminhamento da morte de Michael - depois de tantas chicanas, de tanta teatralidade, é impossível ao público sossegar o facho e conceder o compromisso emocional indispensável para presenciar a morte do ídolo, prejudicando o clímax. Claro que Colin e sua equipe pensaram nisso - mais não digo para não tirar a surpresa e o prazer de quem for assistir a “Wonderland” em 2011.
Não sei bem o Michael Jackson encontrou em “Wonderland” – o cara era meio confuso, não é? -, já eu encontrei um dos melhores espetáculos do ano.
Para quem não viu (mas deve ver), a montagem do Teatro Sarcáustico reconta a história de Michael Jackson com devaneios pelas fábulas de Peter Pan e de Alice. Na primeira aproximação, seria uma encenação pós-dramática: o espaço cênico é uma grande tenda retangular montada no mezanino da Usina do Gasômetro, o texto é fragmentado, repleto de citações e referências, a música é tocada ao vivo, os personagens são lineares, quase tipos. Com exceção da tenda, a descrição se presta ao mundo de qualquer criança… e de Michael Jackson. E de todos nós, como vamos descobrindo ao longo das mais de duas horas e meia de peça. Sim, despencamos no buraco como Alice, e a jornada será um jogo de espelhos entre nós e o ídolo, entre a fama planetária e a miséria emocional.
O que faz “Wonderland” tão diferente é que a encenação proposta pelo diretor geral Daniel Colin é perfeccionista, barroca, ambígua, exigente, talentosa e fascinante como seu inspirador. Isso fica claro em uma das primeiras cenas, quando praticamente todo o elenco antecipa com dança e música a celebração que recém começava. As coreografias de Diego Mac e o rigor dos atores me fizeram sentir como numa Broadway à beira do Guaíba. Exagero? Pior (melhor) que não.
No programa do espetáculo, os dramaturgos Colin e Felipe Vieira Galisteo lembram que o “Wonderland” está sendo gestado há cinco anos, talvez isso explique o cuidado que cerca todos os detalhes (bem como Michael gostava). O cantor é vivido por quatro atores, em diferentes fases de sua vida (Rodrigo Shalako, Rossendo Rodrigues, Ricardo Zigomático e Tatiana Mielczarski – todos muito bons, com destaque para Rossendo), o que expõe radicalmente as mudanças de aparência do astro. A ocupação da grande tenda é feita com habilidade, com cortinas que servem para compartimentar o ambiente, às vezes com transparência. A música ao vivo, destaque para Marcão Acosta na guitarra, mistura high tech com low profile. Os figurinos de Daniel Lion são um exagero – na justa medida de Wonderland.
O que mais me impactou foi, dentre tantos estímulos, o comprometimento do elenco e o fato de que, em uma encenação tão explosiva e potencialmente dispersiva, os movimentos dos atores fossem sempre indispensáveis, como uma homenagem particular a Michael, um mestre na arte de buscar o gesto certo. Mérito de Maico Silveira (direção de atores) e Tainah Dadda (assistente de direção).
“Wonderland”, como o famoso inquilino do rancho “Neverland” é artisticamente pretensioso. E se permite até fazer humor com referências bem localizadas, como em uma cena em que coloca em disputa a Academia, o Crítico e a Vanguarda. Ou quando faz a entrada triunfal das correntes de teatro gaúcho – é de rolar de rir. Há imagens inesquecíveis, como as de Michael, Prince e Madonna, cada um a bordo de um carrinho de súper, colidindo como se estivessem em um autochoque, disputando um lugar no pódio da fama. Ora localista, ora universal, oscilando entre a Terra do Nunca e o País das Maravilhas, “Wonderland” encontra seu caminho pela busca constante do fascínio do espectador. E pela irreverência explícita – a ascensão e queda do Rei Pop carnavalizada sem piedade, mas com veneração.
Há cenas, entretanto, em que Michael Jackson perde o passo, especialmente na segunda parte de “Wonderland”. Uma cena com Sandy e Junior, outra cena em que se enfatiza um erotismo explícito e até o julgamento de Jackson no tribunal parecem um moonwalk longe demais, parecem expor a incapacidade de sacrificar cenas que brilham per si em favor do ritmo geral do espetáculo.
A aceleração insana da encenação também acaba por contaminar o encaminhamento da morte de Michael - depois de tantas chicanas, de tanta teatralidade, é impossível ao público sossegar o facho e conceder o compromisso emocional indispensável para presenciar a morte do ídolo, prejudicando o clímax. Claro que Colin e sua equipe pensaram nisso - mais não digo para não tirar a surpresa e o prazer de quem for assistir a “Wonderland” em 2011.
Não sei bem o Michael Jackson encontrou em “Wonderland” – o cara era meio confuso, não é? -, já eu encontrei um dos melhores espetáculos do ano.
2 comentários:
Broadway à beira do Guaíba... heheheheheh Arrasou, Renato! Valeu!!!
Michael não era confuso - era um gênio.
Nós(ou a maioria) é que não alcançávamos o pensamento dele. abs
Rosane (www.cartasparamichael.blogspot.com)
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